segunda-feira, 19 de maio de 2014

Considerações sobre um pião






Quando pensamos que a vida para é porquê ela pode, quem sabe, em seu suposto estagnar, proporcionar abrigo e propiciar a vida.
Em sua inércia, o pião esquecido na prateleira suportou o ninho de um marimbondo. Foi o tempo exato que ele precisava para fazer um abrigo, procriar, secar as asas dos seus e voar. O não movimento deu vida a quem precisa voar.
O movimento é contínuo, e a vida se faz movimento. Por vezes, a imaturidade da arrogância, do pouco viver, do pouco se conhecer, pelo pouco que se tem rodado, nos brinda com a ilusão do sucesso de um movimento perfeito. De repente se descobre que o Rei está nu e ninguém te avisou que o seu rodar que parecia tão interessante subverteu regras básicas e aquela forma criativa de rodar está como dizem nossos vizinhos paulista, de ponta-cabeça.
Quando bem pequeno sonhava um dia poder rodar o pião como os irmãos mais velhos dos meus pequenos amigos. A força do braço adulto era tamanha que o brinquedo fazia um...
ZUuum ... naquele zunido quase budista eu viajava no desejo de crescer rápido e conseguir tal façanha, de deixar o pião rodando tanto que em segundos parecia não rodar. Ficava paradinho, como se movimento não tivesse. O ápice da vida é o movimento constante e tão rápido que ilude os sentidos com som e movimento extremos. A beleza da velocidade que resulta numa ilusória imobilidade.
Nos momentos de repouso notamos, piões que somos, que as várias quedas  e as frustração de tentativas que não resultaram no rodar esperado nos deixam marcas tantas. Tantas marcas que chegamos a feliz constatação que o mais bonito de tudo são mesmo estas máculas colecionadas. Nada mais feio que um pião novo, imaculado. Chego enfim a pensar que o mais interessante de tudo é o movimento errático que sucede prumo, quando se está a 45 graus. É aí que o pião se mostra mais engraçado e a brincadeira da vida tem seu ápice na graça.
A terra roda em prumo sempre. A vida não. A vida  é como um pião com seus prumos e movimentos que precedem a queda que imagina o enrolar da fieira no pião e o sonho de um novo prumo que precede a graça dos movimentos erráticos dos 45 graus que precedem o enrolar novamente da fieira...