sábado, 30 de novembro de 2013

O que vale a pena









O telefone tocou pro Manoel
E o Manoel saiu armado
E foi pra Niterói
Mas na viagem ele refletiu
Na consciência nada me dói
Não sou Manoel, não sou casado
Eu sou é Joaquim
O que é que eu vou fazer em Niterói.
                                                          Wilson Baptista 1946


Equilibrei o peso da câmera com uma lente longa e parei pra pensar e rir dos versos do centenário e sensacional Wilson Baptista. Não fosse o casal Rodrigo Alzuguir e Claudia Ventura que tinha ao alcance de um click como sabê-lo. Os artistas em cena traziam aos presentes um passado valioso que, se não fosse por esse resgate heróico, estaria confinado ao fundo de uma gaveta. Dividindo o palco naquela noite alguns convidados e amigos comungavam daquela mesma hóstia que passava de boca em boca de uma platéia que, boquiaberta, os assistia. 
Se um dia me perguntarem na vida o que valeu a pena talvez eu mostre um registro de show. 
O que vale a pena é o que mais gosto e o que mais gosto é estar naquele templo, naquela hora em que o artista se dá em memória de nós. 

terça-feira, 27 de agosto de 2013

O seu olhar







Se existe uma forma magica de falar sem dizer nada, a fotografia aí se revela. Nada que não tenha sido dito antes, nada mais lugar comum que uma foto do nascer do sol. Revelador é a imagem revelada mostrar que la no fundo tem um gigante que, apesar do avançar das horas, ainda cochila. Ao por do sol a luz é a mesma de todas as tardes mas as ondas concêntricas que o pássaro desenha no espelho de água nunca é o mesmo.
Se na paisagem a imagem se assemelha ao quadro pintado, no retrato a fotografia fala mais alto que qualquer outra forma de registro. A folha da bananeira seca e o fogo faz sua parte mas o grilo ficará talvez para a posteridade. Assim como a lua de cheia já se minguou em nova um pouco depois de emprestar sua luz `a plantinha silhuetada.
Se a fotografia te restringe o acesso em determinados ambientes, em outros te dá passe livre. Passe livre para estar junto `a música que te apaixona no instante absoluto de uma "blue note", de um sentimento forte, de um sentimento blues. O acesso permitido ou não pode ser até consentido sem ser declarado ou negado declaradamente. Nunca vou saber no que pensava o Palhaço Carequinha que olhava ao longe, sério, sem ouvir o pedido mágico que precede a pose e que muda tudo: sorria!
Se a fotografia tem um valor, seu valor reside em apenas e não mais que isso, postergar um momento feliz. Registrar um carinho em forma de carrinho, cheio de delicado dentro. Presente que dei ao primo amigo mas que não consegui me desapegar a ponto de não vê-lo mais. Fica para nosotros o registro das cores, do brilho, da forma e da luz que batia. Assim como ficou para o Coronel Aureliano Buendia a recordação daquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o o gelo. 
Sem definição que a valha, a fotografia serve apenas e não mais que isso, para provar a existência de um vento que passeia pelo jardim e transita entre as pétalas, que brinca com o mato e com a grama indistintamente e que transforma o dente-de-leão em brincadeira que voa e encanta seu olhar. No momento seguinte registra na sua boca o sorriso.






quinta-feira, 11 de julho de 2013

Paraty e para mim








Artigo 12
Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com imensa begonia na lapéla; parágrafo único, só uma coisa fica proibida, amar sem amor;  Thiago de Mello - O Estatudo do Homem

Quando o grande poeta Thiago pôs no papel estas leis eu ainda não tinha um ano de idade. Semana passada me encontrei com ele para registrar o momento em que se encontrou com Gilberto Gil. Disse-lhe que na minha adolescência suas letras subversivas dividiram comigo o quarto. Feliz, o poeta me beijou a testa.
Das muitas alegrias que tive cobrindo a FLIP na Casa SESC, nada me chamou mais a atenção que aquela luz de inverno. A excitante Paraty fica toda molhada com a chegada da FLIP e vive naqueles dias seu período mais fecundo, de encontros eternos que duram a intensidade daquela semana. 
Li pouco dos muitos livros que vi por la. Se não pude vê-los, li pessoas de fotogenia impar com  sorrisos amigos como os de Thiago e Gil. 
Se o sol ilumina aquela cidade como um grande cenário, nos palcos belezas de luz própria se iluminam. De dia a cantora lírica Manuelai Camargo cantou com delicadeza felina. De noite o sol veio abaixo reverenciar seus nordestinos bem nascidos. Com toda sua juventude, Antonio Marinho declarou seu amor eterno aos também jovens emboladores Cachimbinho e Geraldo Mousinho que rimam até no nome e juntos estão faz mais de 60 anos: "todos os chapéus que eu tiver eu tirarei para vocês". A noite quase já se ia e o dia já quase amanhecia azul. 

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Honra ao Mérito








E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa...
Se um dia a previsão do Chico Buarque se concretizar estes exploradores submarinos descobrirão que na biblioteca da Escola SESC de Ensino Médio a mobilia foi trocada de lugar.

Por sugestão do "nosso fotógrafo", trocamos tudo de lugar. Na palestra de hoje, Claudia Fadel, a diretora da escola, quebrou o protocolo e abriu assim a apresentação de Brian Perkins, diretor do programa de liderança de educação urbana na Universidade de Columbia - EUA, cujas imagens ilustram este espaço. 
Nestes tempos bicudos em que nossa capacidade e proficiência são questionados por olhares e saberes equivocados, alguns trabalhos nos servem ao portfólio. Porém, o carinho reconhecido de certos clientes nos vem ao peito como uma medalha de honra ao mérito, daquelas que se ganha em tão tenra idade que a simples lembrança do brilho daquele dourado nos remeterá quando maduros a uma alegria verdadeira que com candura guardamos em um bom lugar, no espaço que costumamos chamar de nós mesmos. 


terça-feira, 26 de março de 2013

Show de bola






Dos textos técnicos que li em priscas eras o que mais me chamou atenção foi sobre a crônica esportiva dos jornais numa era pré televisiva. O jornalista esportivo, digo, futebolístico, relatava com precisão de detalhes os lances, as faltas e o caminho percorrido pela bola até chegar ao gol. Seus olhos eram como câmeras da TV,  num tempo em que ainda não se sonhava com o acesso das massas a este eletrodoméstico.
Se dizem que o fotojornalismo se aprende em jornal, minha passagem por esta mídia me valeu a oportunidade de entrar em campo. De futebol entendo que são dois times e uma bola, nunca tive maiores afinidades com o esporte, porém fotografa-lo é uma tarefa gratificante em imagens. Falando tecnicamente, se trabalha com velocidades altas, foco crítico e motor drive ligado todo o tempo. A imagem que se capta é sempre uma surpresa pois a foto esportiva é a comprovação do paradoxo da fotografia. No exato instante em que se aperta o disparador o espelho que reflete a imagem que entra pela lente e chega aos olhos é suspenso para que o sensor (antes era o filme) registre a cena. Digo assim que o fotógrafo nunca tem certeza de que o que ele viu foi o que conseguiu registrar.
Estes dias fotografei um campeonato de amadores que vestem o uniforme e a adrenalina os faz semelhantes aos seus deuses. São pessoas simples, que exercem seus oficios diários como um passa-tempo entre uma pelada e outra nos fins de semana de vida. Nas quatro linhas travam batalhas medievais e a bola, prêmio  aos mais fortes,  é almejada como o coração da princesa. Atores num teatro de arena fazem caras de sofrimento e bocas de bravura. Na intimidade do mano a mano voam e bailarinam dribles com a brutalidade de machos em guerra na doçura de um "pas de deux". Na tensão da zona do agrião, onde o capim não cresce, alheio ao espetáculo que segue,  o goleiro acompanha rabo de olho a bola que não deveria passa de uma linha. No final a gloria ao vencedor, o sorriso eterno e  a certeza que aquelas pessoas que se vestem igual serão sempre os melhores e inseparáveis amigos enquanto durar a lembrança de um lance que se desfecha em gol.
  

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

As credenciais







O inicio de carreira de um fotógrafo é um exercício de paradoxos. Lembro que me tranquei com dois "sócios " no cofre de um antiquário em Copacabana onde montamos uma luz e fotografamos alguns produtos. Na época, precisávamos mostrar uma luz, um enquadramento, um bom senso de composição. Pra se ter o cliente tínhamos que ter um portfólio. Como ter um portfólio sem ter sequer o primeiro cliente era questão.
Hoje chego a conclusão que o tal portfólio se resume na confiança. A bagagem de um profissional nada mais é que as oportunidades que este teve ao longo da vida. Alguém representando alguma instituição lhe creditou a confiança de registrar um fato, de fazer parte de um empreendimento.
Em 1992 fiz parte de um grupo pomposamente entitulado de Photo Pool, como convinha `as circunstâncias grandiosas da Eco 92. Vinte anos depois e algumas credenciais a mais, me foi confiada a tarefa de registrar o Humanidade que foi o ponto alto e mais visível da "Rio Mais 20". O projeto, uma estrutura de andaimes montada nas pedras do Forte Copacabana, recebeu em 12 dias um contingente de 220 mil visitantes.
Se o foco da Eco 92 foi o meio ambiente, vinte anos mais tarde a discussão veio em forma de sustentabilidade que a wikipedia define como um sistema que permite a permanência, em certo nível, por um determinado prazo.
No Humanidade reencontrei Maurice Strong que lançou em 1973 o conceito de ecodesenvolvimento, quase um xamã, meu chefe na Eco 92. Empoleirado naqueles andaimes  pude fotografar além de tudo,  a orla de Copacabana de um ponto de vista jamais pensado antes.
Mais que um portfolio ao longo de uma vida profissional o que fica na verdade é uma paisagem tão vista mas sempre tão inusitada; fica a lembrança da luz no rosto da criança. Fica uma lembrança do reflexo na água que silhueta a intimidade de um casal anomimo que, sem saber, hoje faz companhia a alguns objetos que vi num cofre nesta mesma Copacabana